Até pouco tempo atrás, e mesmo ainda
hoje, em muitos lugares do mundo, as teorias de aprendizagem dividem-se
em duas correntes: uma empirista e uma apriorista.
Para os aprioristas (linkar com o site do ano passado sobre o assunto),
a origem do conhecimento está no próprio sujeito, ou seja, sua bagagem
cultural está geneticamente armazenada dentro dele, a função do
professor é apenas estimular que estes conhecimento aflorem.
Já para os que seguem as teorias empiristas, cujo
princípio é tão longínquo quanto os ensinamentos de Aristóteles, as
bases do conhecimento estão nos objetos, em sua observação. Para estes, o
aluno é tabula rasa e o conhecimento é algo fluido, que pode
ser repassado de um para outro pelo contato entre eles, seja de forma
oral, escrita, gestual, etc. É nesta teoria que baseiam-se a maioria das
correntes pedagógicas que conhecemos, entre elas o behaviorismo .
Rompendo com estes dois paradigmas, ou melhor dizendo, fundindo-os em um único, temos as teorias de Piaget
. Jean Piaget foi um dos primeiros estudiosos a pesquisar
cientificamente como o conhecimento era formado na mente de um
pesquisador, tomando aqui a palavra pesquisador o seu sentido mais
amplo, uma vez que seus estudos iniciaram-se com a apreciação de bebes.
Piaget observou como um recém-nascido passava do estado de não
reconhecimento de sua individualidade frente o mundo que o cerca indo
até a idade de adolescentes, onde já temos o início de operações de
raciocínio mais complexas.
Do fruto de suas observações, posteriormente
sistematizadas com uma metodologia de análise, denominada o Método
Clínico, Piaget estabeleceu as bases de sua teoria, a qual chamou de
Epistemologia Genética. Esta fundamentação está muito bem descrita em um
de seus livros mais famosos, O Nascimento da Inteligência na Criança
(1982), no qual ele escreve que "as relações entre o sujeito e o seu
meio consistem numa interação radical, de modo tal que a consciência não
começa pelo conhecimento dos objetos nem pelo da atividade do sujeito,
mas por um estado diferenciado; e é desse estado que derivam dois
movimentos complementares, um de incorporação das coisas ao sujeito, o
outro de acomodação às próprias coisas" .
Neste pequeno parágrafo Piaget define três conceitos fundamentais para sua teoria:
- interação
- assimilação
- acomodação
A Epistemologia Genética, conforme mencionado
anteriormente, é uma fusão das teorias existentes, pois Piaget não
acredita que todo o conhecimento seja, a priori, inerente ao próprio
sujeito (apriorismo), nem que o conhecimento provenha totalmente das
observações do meio que o cerca (empirismo); de acordo com suas teorias,
o conhecimento, em qualquer nível, é gerado através de uma interação
radical do sujeito com seu meio, a partir de estruturas previamente
existentes no sujeito. Assim sendo, a aquisição de conhecimentos depende
tanto de certas estruturas cognitivas inerentes ao próprio sujeito - S
como de sua relação com o objeto - O, não priorizando ou prescindindo de
nenhuma delas.
A relação entre estas duas partes S - O se dá através de
um processo de dupla face, por ele denominado de adaptação, o qual é
subdividido em dois momentos: a assimilação e a acomodação. Por
assimilação entende-se as ações que o indivíduo irá tomar para poder
internalizar o objeto, interpretando-o de forma a poder encaixá-lo nas
suas estruturas cognitivas. A acomodação é o momento em que o sujeito
altera suas estruturas cognitivas para melhor compreender o objeto que o
perturba. Destas sucessivas e permanentes relações entre assimilação e
acomodação ( não necessariamente nesta ordem) o indivíduo vai
"adaptando-se" ao meio externo através de um interminável processo de
desenvolvimento cognitivo. Por ser um processo permanente, e estar
sempre em desenvolvimento, esta teoria foi denominada de
"Construtivismo", dando-se a idéia de que novos níveis de conhecimento
estão sendo indefinidamente construídos através das interações entre o
sujeito e o meio.
É importante salientar-se o fato de que, apesar de a
Epistemologia Genética ser uma teoria que analisa o comportamento
psicológico humano, área normalmente afeta à Psicologia, e analisa estes
aspectos relacionados ao aprendizado, área normalmente afeta à
Pedagogia, Piaget não era psicólogo, nem tampouco pedagogo, porém
biólogo. Seu interesse, ao desenvolver sua teoria, era dar uma
fundamentação teórica, baseada em uma investigação científica, à forma
de como se "constrói" o conhecimento no ser humano. Aí que reside o
grande mérito de seus trabalhos, apresentar a primeira explicação
científica para a maneira como o homem passa de um ser que não consegue
distinguir-se cognitivamente do mundo que o cerca até um outro ser que
consegue realizar equações complexas que o permitem viajar a outros
planetas.
É obvio que as teorias de Piaget possuem aplicação em
inúmeros campos de pesquisa, inclusive na pedagogia, mas é fundamental
entender-se que este não era seu propósito. A Epistemologia Genética e o
Construtivismo não são uma nova metodologia pedagógica, podem até ser
"um subsídio fundamental para o aperfeiçoamento das técnicas
pedagógicas", de acordo com as palavras de Sérgio Franco, mas reduzir o
Construtivismo a esta única dimensão é empobrecê-lo por demais, pois
seus horizontes e aplicações são muito mais amplos, como muito bem
definiu Fernando Becker, "Construtivismo, segundo pensamos, é esta forma
de conceber o conhecimento: sua gênese e seu desenvolvimento. É, por
conseqüência, um novo modo de ver o universo, a vida e o mundo das
relações sociais
Para aqueles que são contra a "moda do construtivismo" que aparece como uma teoria educacional progressista,
satisfazendo portanto aqueles critérios políticos exigidos por pessoas
que, em geral, se classificam como de "esquerda". De outro lado, o
construtivismo fornece uma direção relativamente clara para a prática
pedagógica, além de ter como base uma teoria de aprendizagem e do
desenvolvimento humano com forte prestígio científico."
Em nossa experiência prática, as maiores críticas que
ouve-se das teorias de Piaget são justamente a falta de uma prática
pedagógica clara e explicita, uma vez que não é a isto que ela se
propõe.
"Antes de tudo, o construtivismo é uma teoria
epistemológica. É de suma importância que se afirme isto, de modo a
poder-se diferenciá-lo de uma teoria psicológica e, principalmente, de
uma teoria pedagógica.
Afirmar que o construtivismo é uma teoria epistemológica
é afirmar que ele foi concebido como uma forma de explicar a realidade
da produção de conhecimento. Mais precisamente o conhecimento
científico." (Franco).
Ainda, da crítica de Tomaz da Silva ao construtivismo,
além de defini-lo como conservador é despolitizado, o que não cabe
discutirmos nesta ocasião, ele discorre que "mesmo como teoria meramente
pedagógica, o construtivismo de apresenta bastante deficiente para uma
teoria que se pretende globalizante e inclusiva. Não existe nada no
construtivismo, por exemplo, que aponte para alguma teoria de currículo"
Do outro lado, Fernando Becker afirma que "se é
esquisito dizer que um método é construtivista, dizer que um currículo é
construtivista é mais esquisito ainda."
Isto posto não seria, também, ridículo falar-se em um
"ambiente construtivista"? Ou ainda, qual o resultado que será obtido
por um professor cuja concepção do conhecimento for empirista ao
utilizar um "ambiente construtivista" ou sua recíproca, o resultado da
utilização de um "ambiente empirista" por um professor com uma
epistemologia do conhecimento baseada nas teses construtivistas?
" É uma ferramenta importante,
mas não é a única.
O computador deve ser utilizado para coisas novas,
não para reproduzir o antigo. Para mim, a transformação mais urgente e
mais importante é a mudança no pensamento dos professores."
Para que um ambiente de ensino seja construtivista é
fundamental que o professor conceba o conhecimento sob a ótica levantada
por Piaget, ou seja que todo e qualquer desenvolvimento cognitivo só
será efetivo se for baseado em uma interação muito forte entre o sujeito
e o objeto. É imprescindível que se compreenda que sem uma atitude do
objeto que perturbe as estruturas do sujeito, este não tentará acomodar-se à situação, criando uma futura assimilação do objeto, dando origem às sucessivas adaptações do sujeito ao meio, com o constante desenvolvimento de seu cognitivismo, conforme discutido anteriormente.
Desta forma, apesar de acreditar ser perfeitamente
possível a utilização de um "ambiente empirista" por um professor que
não veja o aluno como "tabula rasa" para o desenvolvimento de um
conhecimento, na forma como Piaget teorizou, existem alguns pressupostos
básicos de sua teoria que devem ser levados em conta, se desejarmos
criar um "ambiente construtivista" .
A primeira das exigências é que o ambiente permita, e
até obrigue, uma interação muito grande do aprendiz com o objeto de
estudo. Esta interação, contudo, não significa apenas o apertar de
teclas ou o escolher entre opções de navegação, a interação deve passar
além disto integrando o objeto de estudo à realidade do sujeito, dentro
de suas condições, de forma a estimulá-lo e desafiá-lo, mas ao mesmo
tempo permitindo que as novas situações criadas possam ser adaptadas às
estruturas cognitivas existentes, propiciando o seu desenvolvimento. A
interação deve abranger, não só o universo aluno - computador, mas,
preferencialmente, também o aluno - aluno e aluno - professor através
ou não do computador.
"É justamente este aspecto do processo de aprendizagem
que o Logo pretende resgatar: um ambiente de aprendizado onde o
conhecimento não é passado para a criança, mas onde a criança
interagindo com os objetos desse ambiente, possa desenvolver outros
conceitos, por exemplo, conceitos geométricos. Entretanto, o objeto com o
qual a criança interage deve tornar manipulável estes conceitos, do
mesmo modo que manipulando copos ela adquire idéias a respeito de
volume. E isto é conseguido com o computador, através do Logo."
(Valente).
Por estas e outras razões é que o Logo é o exemplo
sempre utilizado quando deseja falar-se de "ambientes construtivistas",
apesar de sua utilização já ser considerada muito ultrapassada por
muitos, mas o importante no contexto atual, é sua fundamentação teórica,
mais do que sua utilização.
Outro aspecto primordial nas teorias construtivistas, é a
quebra de paradigmas que os conceitos de Piaget trazem, é a troca do
repasse da informação para a busca da formação do aluno; é a nova ordem
revolucionária que retira o poder e autoridade do mestre transformando-o
de todo poderoso detentor do saber para um "educador - educando",
segundo as palavras de Paulo Freire, e esta visão deve permear todo um
"ambiente construtivista".
"Diversas teorias sobre aprendizagem parecem concordar
com a idéia de que a aprendizagem é um processo construção de relações,
em que o aprendiz, como ser ativo, na interação com o mundo, é o
responsável pela direção e significado do aprendido. O processo de
aprendizagem, feitas estas considerações, se dariam em virtude do fazer e
do refletir sobre o fazer, sendo fundamental no professor o "saber", o
"saber fazer" e o "saber fazer fazer". Nesta perspectiva o ensino se
esvazia de sentido, dando lugar à idéia de facilitação. Parece ser neste
sentido que Papert estrutura sua proposta para ambientes de
aprendizagem, dentro da abordagem Logo, " (Ribeiro).
Rogers complementa, que mais do que repassar
conhecimentos, a função de um professor que se propõe a ser facilitador
seria "liberar a curiosidade; permitir que os indivíduos arremetam em
novas direções ditadas pelos seus próprios interesses; tirar o freio do
sentido de indagação; abrir tudo ao questionamento e à exploração;
reconhecer que tudo se acha em processo de mudança..."
Um ambiente de aprendizagem que pretenda ter uma conduta
de acordo com as descobertas de Piaget precisa lidar corretamente com o
fator do erro e da avaliação. Este segundo aspecto está mais
aprofundado em tópico a seguir (fazer o link) , mas é importante
salientar-se sua estreita relação com o erro. Em uma abordagem
construtivista, o erro é uma importante fonte de aprendizagem, o
aprendiz deve sempre questionar-se sobre as conseqüências de suas
atitudes e a partir de seus erros ou acertos ir construindo seus
conceitos, ao invés de servir apenas para verificar o quanto do que foi
repassado para o aluno foi realmente assimilado, como é comum nas
práticas empiristas. Neste contexto, a forma e a importância da
avaliação mudam completamente, em relação às práticas convencionais.
"Um outro aspecto fundamental do Logo é o fato de propiciar à criança a chance de aprender com seus próprios erros...
... no Logo, o erro deixa de ser uma arma de punição e
passa a ser uma situação que nos leva a entender melhor nossas ações e
conceitualizações. E assim que a criança aprende uma série de conceitos
antes de entrar. ela é livre para explorar e os erros são usados para
depurar os conceitos e não para se tornarem a arma do professor."
(Valente)
Resumindo, pode-se concluir que o quesito mais
importante para a construção de um "ambiente construtivista" é que o
professor realmente conscientize-se da importância do
"educador-educando", e que todos os processos de aprendizagem passam
necessáriamente por uma interação muito forte entre o sujeito da
aprendizagem e o objeto, aqui simbolizando como objeto o todo envolvido
no processo, seja o professor, o computador, os colegas, o assunto.
Somente a partir desta interação completa é que poderemos dizer que
estamos "construindo" novos estágios de conhecimento, tanto no aprendiz
como no feiticeiro.
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