segunda-feira, 31 de março de 2014

Minha filha Patinha - uma história de amor

Estou eu aqui sem conseguir dormir pensando na minha Patinha...
Bom esta gatinha cinza é uma de minhas filhinhas. Eu a adotei ano passado, meio que sem querer; enquanto fazia compras numa loja, o vendedor saiu com uma coisinha fofa pequenininha nos braços, então eu elogiei e ele sem demora disse se eu a queria de presente. Eu sorri e achei que fosse uma piada, mas ele me contou que não tinha como ficar com o gatinho e que só havia pego porque um jovem drogado ao passar na calçada judiava do animalzinho, então ele ofereceu R$5,00 reais e a comprou para salvá-la.
Fiquei mexida com a história e além disso sabia que se não a levasse comigo ela iria para nas mãos erradas ou num abrigo e rua de novo, enfim adotei sem delongas.
Levei-a no veterinário, cuidei como deveria, mas de um mês para cá ela começou a fazer xixi pela casa toda, inclusive em cima de cama, roupas...uma loucura.
Liguei para doutora que me orientou a castrá-la para que ela parasse com o hábito provocado pelo cio longo da gatinha.
Ai e aqui estou eu...preocupada e pensando que a esta alturas ela está em jejum, sozinha numa casinha e longe da família...snif, snif, snif.
Ela ainda é tão bebezinha, frágil...pimenta mas carinhosa e miadeira. Parece até que estou ouvindo minha Patinha me chamar.
Nesta altas horas peço forças para passar por mais este desafio...ficar longe da minha filha e ainda por cima saber que ela fará uma castração...mesmo sabendo que será para o bem dela estou temerosa.
Vou rezar a São Francisco de Assis para que ilumine e dê forças para minha Patinha e eu.


Meu São Francisco de Assis 
Protetor dos animais 
Olhai por nós que rogamos 
Vossa bênção e muita paz. 

Olhai os abandonados 
Sofrendo agruras nas ruas 
E os que puxam carroças 
Açoitados nas ancas nuas. 

Pelos pobres passarinhos 
Que não podem mais voar 
Presos em rudes gaiolas 
Só porque sabem cantar. 

E as cobaias de laboratório 
Que sofrem dores atrozes 
Em experiências terríveis 
Que lhes impõem seus algozes. 

Pelos que são abatidos 
Em matadouros insanos 
Para servir de alimento 
Aos que se dizem humanos 

Olhai os que são perseguidos 
Sem piedade nas florestas 
Só por causa da ambição 
Dessas caçadas funestas. 

Pelos animais de circo 
Que não têm mais liberdade 
Presos em jaulas minúsculas 
À mercê de crueldade. 

Olhai os bois de rodeio 
E os sangrados nas touradas 
Barbárie e crimes impostos 
Por pessoas desalmadas. 

Pelos que têm de lutar 
Até a morte nas rinhas 
Quando o homem faz apostas 
Em transações tão mesquinhas. 

Olhai para os que são mortos 
Nos macabros rituais 
Em altares religiosos 
Que usam sangue de animais. 

Meu bondoso protetor 
Oro a vós por meus irmãos 
Para que sua dor e tristeza 
Não sejam sofrimentos vãos



O Olhar para trás



Nem surgisse um olhar de piedade ou de amor
Nem houvesse uma branca mão que apaziguasse minha fronte palpitante...
Eu estaria sempre como um círio queimando para o céu a minha fatalidade
Sobre o cadáver ainda morno desse passado adolescente.

Talvez no espaço perfeito aparecesse a visão nua
Ou talvez a porta do oratório se fosse abrindo misteriosamente...
Eu estaria esquecido, tateando suavemente a face do filho morto
Partido de dor, chorando sob o seu corpo insepultável.

Talvez de carne do homem prostrado se visse sair uma sombra igual à minha
Que amasse as andorinhas, os seios virgens, os perfumes e os lírios da terra
Talvez...mas todas as visões estariam também em minha lágrimas boiando
E elas seriam como óleo santo e como pétalas se derramando sobre o nada.

Alguém gritaria longe: "Quantas rosas nos deu a primavera!..."
Eu olharia vagamente o jardim cheio de sol e de cores noivas se enlaçando
Talvez mesmo meu olhar seguisse da flor o voo rápido de um pássaro
Mas sob meus dedos vivos estaria a sua boca fria e seus cabelos luminosos.
Rumores chegariam a mim, distintos como passos na madrugada
Uma voz cantou, foi a irmã, foi a irmã vestida de branco! - a sua voz é fresca como o orvalho...

Beijam-me a face - irmã vestida de azul, por que estás triste?
Deu-te a vida a velar um passado também?

Voltaria o silêncio - seria uma quietude de nave em Senhor Morto
Numa onda de dor eu tomaria a pobre face em minhas mãos angustiadas

Auscultaria o sopro, diria à toa - Escuta, acorda
Por que me deixaste assim sem me dizeres quem eu sou?

E o olhar estaria ansioso esperando
E a cabeça ao sabor da mágoa balançando
E o coração fugindo e o coração voltando
E os minutos passando e os minutos passando...

No entanto, dentro do sol a minha sombra se projeta
Sobre as casas avança o seu vago perfil tristonho
Anda, dilui-se, dobra-se nos degraus das altas escadas silenciosas
E morre quando o prazer pede a treva para a consumação de sua miséria.

É que ela vai sofrer o instante que me falta
Esse instante de amor,de sonho, de esquecimento
E quando chega, a horas mortas, deixa em meu ser uma braçada de lembrança
Que eu desfolho saudoso sobre o corpo embalsamado do eterno ausente.

Nem surgisse em minhas mãos a rósea ferida
Nem projetasse em minha pele o sangue da agonia...
Eu diria - Senhor, por que me escolheste a mim que sou escravo
Por que me chegaste a mim cheio de chagas?
Nem do meu vazio te criste, anjo que eu sonhei de brancos seios

De branco ventre e de brancas pernas acordadas
Nem vibrasses no espaço em que te moldei perfeita...
Eu te diria - Por que vieste te dar ao já vendido?

Oh, estranho húmus deste ser inerme e que eu sinto latente
Escorre sobre mim como o luar nas fontes pobres
Embriaga o meu peito no teu bafo que é como sândalo
Enche o meu espírito do teu sangue que é a própria vida¹

Fora, um riso de criança - longínqua infância da hóstia consagrada
Aqui estou ardendo a minha eternidade junto ao teu corpo frágil!

Eu sei que a morte abrirá no meu deserto fontes maravilhosas
E vozes que eu não sabia em mim lutarão cotra a Voz.

Agora porém estou vivendo da tua chama como a cera
O infinito nada poderá contra mim porque de mim quer tudo
Ele ama no teu sereno cadáver o terrível cadáver que eu seria
O belo cadáver nú cheio de cicatriz e de úlceras.

Quem chamou por mim, tu, mãe? Teu filho sonha...
Lembras-te mãe, a juventude, a grande praia enluarada...
Pensaste em mim mãe? Oh udo é tão triste
A casa, o jardim, o teu olhar, o meu olhar, o olhar de Deus...

E sob a minha mão tenho a impressão da boca fria murmurando
Sinto-me cego e olho o céu e leio nos dedos a mágica lembrança
Passastes, estrelas...Voltais de novo arrastando brancos véus
Passastes, luas...Voltais de novo arrastando negros véus...

Por: Vinicius de Moraes

Análise textual:

Esta bela e profunda poesia trata-se de uma das obras do imortal Vinicius de Moraes.

Ao meu ver ela transmite na sua mais profunda essência o passado com todos os seus amores, desamores, tristezas, alegrias e sempre a observação bela nos detalhes da natureza.
O que mais parece doer é a ausência de um sentimento de amor que o torna frio, cadavérico.
Percebe-se também um sofrimento que ele vê no outro por ver ele mesmo sofrer, e nada melhor do que alguém para sentir tal amor incondicional do que a própria mãe, e também os demais entes da família, de certa forma importantes no contexto dele.

Reflexão:
Toda poesia tem na sua ficção travestida uma verdade triste da vida.
Ao ler esta obra me vi na pele dele e a dor de perder momentos e pessoas, juventude...enfim transforma-nos como um tipo mesmo de cadáver, e ao que demonstrava um futuro antes no passado, já não mais é amanhã é presente negro da vida: a morte.
Mas antes os encontros, juventude e os desencontros.
Sempre impera o vazio, a solidão.

(Pour Anna)