FLORESTAS PARA SALVAR EM 2011:
O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) promove
2011 como o Ano Internacional das Florestas. As comemorações do Dia
Mundial do Meio Ambiente — 5 de junho – também enfocaram o tema. O mote é
chamar a atenção para os benefícios que as florestas, locais de
riquíssima biodiversidade, oferecem ao planeta e principalmente à
espécie humana.
A iniciativa, mesmo com um viés utilitarista, não deixa de ser
louvável como esforço de conscientização e educação ambiental. No
entanto, no Brasil, a situação das florestas em 2011 tem sido bastante
difícil; o ano está revelando-se catastrófico para o que ainda resta das
nossas matas.
Triste coincidência ou não, justamente neste ano o desmatamento
disparou na Amazônia, o desastroso “novo” Código Florestal foi aprovado
na Câmara dos Deputados. No mesmo dia, um casal de ecologistas foi
assassinado por defender atividades sustentáveis em uma reserva
florestal no Pará. O país que abriga a floresta de maior complexidade
biológica do planeta facilita cada vez mais sua exploração predatória,
através de uma lógica arcaica, em que prevalece o ganho no presente,
como se não houvesse futuro. Essa dinâmica perversa é sustentada pela
violência contra quem se colocar no caminho dos desmatadores: é a morte à
bala o destino daqueles que ousam acreditar em mudanças.
As florestas brasileiras foram, ao longo da história, objeto de
fascínio, pela sua exuberância, mas, ao mesmo tempo, encaradas como um
empecilho ao progresso. Era preciso que fossem retiradas, através do
fogo ou do machado, para dar lugar aos produtos agrícolas, às pastagens,
e, por último, às cidades. No século XIX, o Estado destinou zonas
florestais aos diversos grupos imigrantes que entraram no país, para que
“limpassem” essas áreas, promovendo o seu “desenvolvimento”.
No primeiro Código Florestal brasileiro, em 1934, também é possível
perceber a dubiedade com que as florestas eram tratadas. Reivindicação
antiga de cientistas e intelectuais do centro do país, o Código
instituiu uma Polícia Florestal, responsável por fiscalizar as
florestas, multar os infratores e encaminhá-los à punição. Entretanto, o
Estado não oferecia estrutura adequada ao trabalho desses fiscais, que,
em geral, já eram funcionários públicos; exerciam a fiscalização como
função extra e, na maioria dos casos, sequer recebiam remuneração. Além
disso, o primeiro código estabelecia que os proprietários podiam
desmatar ¾ de suas propriedades, reservando o ¼ restante. O problema era
que, se essa última parte fosse vendida, o novo proprietário teria
direito de fazer o mesmo, e assim, sucessivamente, até a última árvore.
O segundo Código Florestal, de 1965, corrigiu erros do primeiro e, se
não era a lei ideal, foi a que melhor cumpriu o seu papel: proteger a
natureza. Em entrevista recente, o engenheiro agrônomo Alceo Magnanini,
de 85 anos, último remanescente do grupo de especialistas que elaborou a
lei de 1965, afirmou que o embasamento para uma nova legislação deveria
ser dado por especialistas e técnicos da área florestal, e não por
políticos, como vem ocorrendo. Nas discussões atuais em torno do projeto
de lei 1876/99, tem-se esquecido que a razão de existir uma legislação
florestal é fornecer amparo legal para que as florestas fiquem
protegidas, e não para anistiar o desmatamento, ou para criar mecanismos
que facilitem sua exploração, desprotegendo-as. E isso é tão óbvio que
acaba passando despercebido, em meio a discussões mais complexas, como é
o caso da reserva legal.
O “novo” código, recém aprovado pelos deputados federais, chega a ser
perverso para as florestas. Incentiva novos cortes, ao permitir que um
desmatamento irregular feito hoje (ou no futuro) em área de reserva
legal possa ser compensado em outra região ou recuperado em vinte anos,
inclusive utilizando espécies exóticas em até 50% da área (art. 38). O
artigo 13, ao permitir que as propriedades de até 4 módulos fiscais não
precisem recompor sua reserva legal, abre brechas para uma isenção
praticamente generalizada, já que não restringe o “benefício” apenas à
agricultura familiar. Proprietários de várias áreas com menos de 4
módulos serão dispensados da recomposição. Além disso, reduz de 30 para
15 metros a dimensão da mata ciliar a ser recuperada nos rios com até
10 metros de largura, o que pode prejudicar a qualidade da água e a
sobrevivência da biodiversidade local.
Tão negativo quanto o novo Código Florestal, que facilita o
desmatamento, é o retrógrado Código Penal brasileiro, que garante
impunidade aos desmatadores. Duas leis tão importantes, combinadas,
podem causar perdas imensas de um patrimônio florestal inestimável.
Tamanha é a impunidade, que a “lista negra”, elaborada e entregue pela
Comissão Pastoral da Terra ao Ministério da Justiça todos os anos, com
os nomes de ambientalistas ameaçados de morte por agricultores e
madeireiros no país, tem sido vergonhosamente ignorada. No mesmo dia em
que o “novo” Código era aprovado na Câmara, morriam dois integrantes da
lista, vítimas da omissão do Estado na região, onde há décadas a
violência corre solta: o casal José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do
Espírito Santo. Elaborada há cerca de 20 anos, a “lista negra” também
não impediu o homicídio da freira Dorothy Stang, em 2005, cujo nome
constava no documento entregue em 2004. Depois de 23 anos do assassinato
de Chico Mendes, esses grotescos crimes ainda continuam acontecendo,
pois a disputa pela floresta permanece a mesma: de um lado os
seringueiros e outros trabalhadores extrativistas, cuja atividade –
sustentável! – depende da floresta em pé; do outro, a mentalidade
atrasada de fazendeiros e madeireiros, visando obter o ganho imediatista
da venda da madeira e a “limpeza” da terra para plantar ou criar gado.
Infelizmente, o lado mais poderoso tem vencido essa batalha macabra. A
notícia de que o governo vai intensificar a operação Arco de Fogo e
oferecer proteção às pessoas ameaçadas de morte na Amazônia pode dar uma
trégua temporária aos assassinatos. No entanto, sem medidas permanentes
os conflitos voltarão a ocorrer.
Enquanto não houver, de fato, fiscalização, punição e presença do
Estado, as florestas continuarão ameaçadas. Aliado a isso, a legislação
florestal deveria ser extremamente proibitiva de desmatamentos, e a lei
penal, assegurar a punição dos transgressores. Se a legislação fosse
realmente cumprida, garantiria a segurança de quem ganha o pão de cada
dia com atividades sustentáveis. Esses trabalhadores que estão com as
vidas por um fio fazem valer, na prática, o discurso divulgado pelo
mercado: através de atitudes responsáveis para com o meio ambiente,
fazem girar uma economia realmente verde. Com a floresta em pé, garantem
a sobrevivência deles e, indiretamente, a nossa. São os nossos heróis
modernos; deveriam ser aplaudidos e não assassinados.
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