Uns parecem estar no mundo da lua. Outros,
num ringue de boxe. Para driblar essas atitudes que prejudicam suas aulas, é
preciso conhecer e respeitar as mudanças que ocorrem na adolescência, ganhar a
confiança da turma e aproximar o conteúdo escolar do cotidiano da garotada
"A culpa é dos hormônios." Até há bem pouco tempo, a
indisciplina e o comportamento emocionalmente instável dos adolescentes eram
atribuídos à explosão hormonal típica da idade. Pesquisas recentes mostram, no
entanto, que essa não é a única explicação para a agressividade, a rebeldia e a
falta de interesse pelas aulas, que tanto preocupam pais e professores. Nessa
fase, o cérebro também passa por um processo delicado, antes desconhecido: as
conexões entre os neurônios se desfazem para que surjam novas. Simplificando: o
cérebro se "desmonta", reorganiza as partes e em seguida se
"monta" novamente, de forma definitiva para a vida adulta (veja
quadro).
Entre 13 e 19 anos, é comum os jovens apresentarem reações e
comportamentos que independem da vontade deles. Portanto, nem sempre palavras
ditas de maneira agressiva ou arrogante são fruto da falta de educação. Para
quem convive diariamente com turmas dessa faixa etária - que ora parecem estar
no mundo da lua, ora com pane no sistema - e quer conquistá-las, a saída é agir
de forma firme, mas respeitosa.
A primeira "lição" para quem trabalha com adolescentes é não tomar
para o lado pessoal qualquer tipo de afronta vinda de um aluno. Responder a uma
provocação no mesmo tom só faz você perder o respeito e a admiração do grupo
o que dificulta o trabalho em classe. Além disso, ao perceber que tirou o
professor do sério, o jovem se sente vitorioso e estimulado a repetir a dose.
"Educar não é um jogo em que se determina quem vence ou perde",
afirma a psicopedagoga Maria Helena Barthollo, do Centro de Estudos da Família,
Adolescência e Infância, no Rio de Janeiro. Ela sugere que a luta com a
garotada dê lugar a parcerias. Os acordos incluem regras, direitos e limites
que valem para todos, inclusive você.
O jovem, a partir dos 12 ou 13 anos,
está passando por um período de instabilidade psicológica natural. De acordo
com a psicopedagoga Nadia Bossa, professora da Universidade Santo Amaro, em São
Paulo, nesse período ele revive conflitos típicos da infância. "Aos 2 ou 3
anos, quando a criança percebe sua fragilidade, grita, teima, testa os adultos.
Quando a mãe, por exemplo, impõe um limite, ela tem a garantia de que está
sendo cuidada", explica. O adolescente faz o mesmo. "Ele testa os
limites dos adultos numa tentativa de estabelecer novos parâmetros de poder
sobre sua realidade." Considerando a informação, fica mais fácil para você
não interpretar reações intempestivas como uma agressão pessoal.
O professor de História Renato Mota
Duarte, da Escola Municipal de Ensino Fundamental e Médio Derville Allegretti,
em São Paulo, já se deu conta de particularidades dessa fase.
"Não
grito quando os alunos ignoram que eu entrei na sala. Dou bom dia e começo a
chamada em voz baixa. Aos poucos eles se acalmam."
Mas quando o professor encontra a turma na
maior briga? É hora de estabelecer a ordem e ouvir os motivos da discussão.
"Não adianta fingir que nada aconteceu porque a cabeça deles está longe da
matéria", observa o professor de Ciências e Biologia Jefferson Marcondes
de Carvalho, do Colégio Madre Alix, também em São Paulo. Nessas situações, ele
age como um intermediário, levando os estudantes a entrar em acordo, mantendo
sempre o respeito.
Os dois educadores apostam na qualidade do relacionamento com os alunos como um
dos fatores determinantes para a aprendizagem. Carvalho organiza oficinas de
malabarismo com a turma e Duarte incentivou a grafitagem, depois de encontrar a
parede do corredor pichada. Dessa forma, os alunos dele perceberam que tinham
liberdade de pedir o que desejavam. "A escola tem que acolher as sugestões
dos estudantes, analisá-las e ver se são viáveis. Assim, eles se sentem
considerados e respeitados", explica Nadia Bossa.
Na escola de Duarte, a cada 15 dias os intervalos têm tempo dobrado, porque os
estudantes fazem apresentações musicais para os colegas. O professor também
trabalha a interação e o respeito entre os jovens, debatendo assuntos que tanto
os inquietam, como sexualidade, drogas, violência e desemprego. Ele costuma
atender cada um de seus alunos em particular. "Procuro saber como eles
estão se sentindo, os problemas pelos quais estão passando e como é o
relacionamento com a família. Deixo que fiquem à vontade para falar." Confiança
e consideração: o professor Renato Duarte, da Escola Derville Allegretti,
atende em particular cada um dos alunos, que confidenciam a ele angústias e
inseguranças
IMPORTANTE: Se os adolescentes admiram e
respeitam o professor, ele já tem meio caminho andado para desenvolver os
conteúdos curriculares. Para percorrer a outra metade do caminho, é preciso ter
boas táticas. Uma das melhores formas de ensinar os jovens é fazer da sala de
aula algo bem próximo do mundo deles. Por isso, Duarte fica por dentro da onda
hip-hop e aprende parte da linguagem e dos interesses da garotada, enquanto
Carvalho assiste à MTV canal aberto com programação dirigida aos jovens
para saber as novidades. Ambos já sabem que o adolescente só retém na memória o
que chama muito a atenção. E a ciência confirma o que eles concluíram no
dia-a-dia. Atividades feitas com base em um rap que a moçada adora, por
exemplo, permitem que as informações sejam fixadas na memória com mais
facilidade.
"A música estimula o lobo temporal no cérebro e faz com que os circuitos
estabelecidos com o córtex pré-frontal região que analisa a informação
sejam mais consistentes", afirma a neuropediatra Tania Saad, professora do
Instituto Brasileiro de Medicina de Reabilitação, no Rio de Janeiro. O lobo
frontal é a região responsável pelas emoções e pelas experiências de vida. Como
o cérebro está se reorganizando, o adolescente não tem ideia do que é ou não
importante. Por isso, se ele não vê relevância de uma informação para sua vida,
o novo dado se perde no turbilhão que é a sua cabeça.
Para fazer das aulas algo que instigasse
seus alunos da 6ª série, Carvalho recebeu o jogo Super Trunfo com entusiasmo em
sala. Na brincadeira, vence quem tem as cartas com carros mais potentes ou
velozes. Com base no conteúdo estudado, a meninada bolou o Super Trunfo Animal.
Os alunos pesquisaram vertebrados e invertebrados e levantaram uma série de
características de diversos bichos. Eles criaram os critérios de pontuação, que
variaram conforme a sala. "Numa turma, os animais em extinção venciam
porque eram raros. Em outra, eles perdiam porque, se houvesse uma alteração
ambiental, seriam os primeiros a morrer", conta Carvalho.
Duarte vai pelo mesmo caminho e
igualmente relaciona o cotidiano dos alunos aos temas do currículo. "Pedi
para eles observarem onde eram fabricados os tênis ou as canetas que usavam.
Essa foi a forma de introduzir a discussão sobre a abertura econômica da década
de 1990 e os índices de desemprego no Brasil", comenta. "Quando o
professor aproxima o conteúdo escolar dos interesses dos alunos, a necessidade
de resistir fica em segundo plano", analisa Nadia Bossa.